Dessa Vez Eu Não Vou Mais: Deixar Me Acorrentarem
A mortalidade sempre nos traz algum tipo de consciência.
Recentemente descobri que minha constante abertura de concessões era algo que estava apagando minha identidade, mas também era o único mecanismo que aprendi a utilizar para me proteger, para sobreviver: promoções de liderança me eram oferecidas pela minha capacidade de ser política, o silêncio era como conseguia não estragar completamente uma amizade, não falar nada quando uma piada de mau gosto surgia era tentar não ser a preta raivosa, esperar pela aprovação dos outros era a forma mais fácil. Uma pessoa que amo disse para mim que eu precisava parar de pegar o caminho fácil, fazer as coisas da forma adulta. A dureza das palavras doeu, mas muitas vezes a motivação para a ação é a dor.
Como a maioria das sobreviventes de abuso, encontrei no silêncio e na constante mentira de que tudo estava bem um tipo de refúgio. Como uma sobrevivente de abuso entrei inconscientemente em diferentes ciclos abusivos. Na falta de acreditar em quem eu era, a balança que pendia entre auto-piedade e desistência, me acorrentei aos ideais do que as pessoas queriam de mim: a preta cordial, a preta maternal, a preta professoral. O que acabei colhendo foi um constante sentimento de inadequação, uma paralisia emocional que me impedia e ainda me impede de ser espontânea.
O que estou construindo hoje, é exatamente a raiva. A raiva tem potencial destrutivo e construtivo. O que não entendemos é que muitas vezes é importante destruir algo.
Radical para mim começou a se tornar um elogio, minha forma radical de ver as coisas foi como entendi que a estrutura só muda quando estamos dispostos a destruir até as bases mais fundamentais de um sistema que não fez nada por mim além de me aprisionar dentro de mim mesma.
Sim, eu ainda tenho dificuldades com isso, mas sou uma mulher que encarou a morte vezes demais. Em uma recente experiência de um curto coma, que durou três dias, tive consciência o suficiente para perceber que enfrentava a ideia de mortalidade mais constantemente do que racionalizava, ameaças sutis e não tão sutis assim, a morte física ou a intelectual. Também aprendi parte disso com Audre Lorde e a outra parte, com as mulheres que convivo. Como diria Lorde:
“Certamente tenho medo, porque a transformação do silêncio em linguagem e em ação é um ato de auto-revelação, e isso sempre parece estar cheio de perigos. Mas minha filha, quando falei de nosso tema e de minhas dificuldades, me disse: “Fala para elas de como nunca se é uma pessoa inteira se guardas silêncio, porque esse pedacinho fica sempre dentro de ti e quer sair, e se segues ignorando-o, ele se torna cada vez mais irritado e furioso, e se nunca o deixar sair um dia diz: basta! e te dá um soco dentro da boca”.
No silêncio, cada uma de nós desvia o olhar de seus próprios medos – medo do desprezo, da censura, do julgamento, ou do reconhecimento, do desafio, do aniquilamento. Mas antes de nada acredito que tememos a visibilidade, sem a qual entretanto não podemos viver, não podemos viver verdadeiramente.”
Eu quero falar porque quero ser inteira e não consigo ser inteira com as correntes do silêncio em volta de mim. Eu quero falar porque quero viver.