Semanas atrás recebi uma mensagem, "Fulana foi demitida". Karma é uma vadia, pensei involuntariamente, mas também percebi que um ano atrás ficaria feliz de verdade de ver aquelas três palavras. Não esse ano entretanto, e sinceramente não nessa economia, ainda assim, só de ler o nome de Fulana, meu corpo inteiro entrou em curto circuito.
Fulana foi minha chefe um par de anos atrás e também a instabilidade emocional que eu precisava para colocar tudo a perder – E algumas vezes tudo que queremos é aquele primeiro gatilho para ter uma desculpa, para desistir de tudo, para não tomar mais banho, para destacar algumas pílulas a mais daquele tarja preta, para enganar a mente e deixar que dealer seja uma palavra amena demais.
Lembro de escutar o celular tocar uma da manhã e saber que era Fulana porque ninguém mais me ligaria naquela hora. Minha identidade era meu trabalho, todos os meus amigos eram do meu trabalho, eu estava unida com um laço tão forte quanto o do casamento com Fulana. Toda terapia chorava duvidando do meu potencial profissional, não entendia como não estava dando conta da minha carga de trabalho – eu então não entendia que estava fazendo o meu trabalho e o dela – estava cansada de ir dormir às quatro da manhã e acordar às seis, das ligações de madrugada, de ser a última a ficar no bar com ela por ter medo de ser demitida, ouvi-la falando mal de todo mundo e engolir, olhar no espelho e me perguntar "será que sou uma pessoa ruim?".
Eu ainda não sabia ser possível ter um relacionamento abusivo ou tóxico em qualquer nível: amoroso, familiar, em amizades, profissionalmente. Tenho um padrão de cair e aceitar esse tipo de convivência onde pessoas tiram proveito de algo que tenho: meu talento, condições financeiras, minha casa, minha preocupação, minha empatia, principalmente meu amor.
É legal dar sem pedir nada em troca, mas vai ter no mundo quem troque com você, então porque se esvaziar por quem não está disposto a somar nada na sua vida?
Gostaria eu mesma de aprender essa lição: um dia antes de saber da demissão de Fulana, uma conhecida que cuidava dos meus pets para mim recebeu um outro amigo em casa. Em pouco tempo recebi mensagens absurdas de ambos com requisitos como dinheiro, bebida alcoólica e, veja só, até delivery de drogas. Precisei ir até lá sentindo meu corpo inerte para os expulsar, um amigo mandaria mensagem para mim depois “Poxa, Pri, você confia nas pessoas erradas”. Minha mente entrou em um filme de todas as vezes que pessoas haviam ficado ao meu redor para beber de graça, usar minhas coisas, ir embora com o Uber pago por mim. Ficou difícil saber se atraí aquelas pessoas por um desespero por companhias rasas, por uma carência patética ou porque fui pura e simplesmente ingênua.
Chorei uma noite inteira, as crises de ansiedade foram e voltaram, penso que sobrevivi até aqui praticamente sozinha, meu instinto de autopreservação só precisa ser religado com o resto dos sentimentos que tentei adormecer por tantos anos. Alguma hora eu tenho que aprender com os meus erros, eu espero que seja hoje. Só por hoje.