Dessa Vez Não Vou: Aprisionar o pássaro
Nunca gostei muito de Bukowski, mesmo antes do twitter resolver o cancelar em 2019 (ou seria 2018?), não entendia a romantização majoritariamente masculina de ser alcoolatra e f*dido, não havia nada atraente para mim na figura de um “velho safado”. Aliás, velho e safado na mesma frase, para mim, só configura um trauma.
Um ex-amigo passou um par de anos tentando me convencer a ler o cara, tentei ler “Mulheres” e apesar de saber que ainda teria muitas personagens pela frente, parei na personagem de Lydia, minha conclusão é que os personagens precisavam de terapia e que eu ia precisar de mais horas no consultório se continuasse lendo aquilo.
Engraçado o suficiente, é um poema do mesmo autor que se tornou um dos meus favoritos.
Há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas eu despejo uísque sobre ele e inalo
fumaça de cigarro
e as putas e os atendentes dos bares
e das mercearias
nunca saberão que
ele está
lá dentro.
Existe um certo padrão entre pessoas que sempre fazem coisas iguais esperando resultados diferentes, na terapia em grupo um psicólogo nomeou a prática de insanidade. Ao manter o pássaro azul trancado ou afogado em whisky removemos nossa consciência da jogada, nos recusamos a amar tudo que está morrendo, preferimos amar o que já está morto faz tempo, afinal, é mais fácil não sentir.
há um pássaro azul em meu peito que
quer sair
mas sou bastante esperto, deixo que ele saia
somente em algumas noites
quando todos estão dormindo.
eu digo, sei que você está aí,
então não fique
triste.
Eu sempre tive algo em meu peito sem nome que recuso a deixar sair, fico guardando com ela as dívidas de cartão de crédito, os livros que não consegui ler, as teorias que nunca entendi, os ciclos compulsórios, os sorrisos e risadas forçadas, as mãos suadas, a lampada quebrada de um cérebro que não consegue se automotivar. Aos poucos eu vou me afogando em todas as palavras que não consigo dizer para libertar a criatura que só tem como vontade sair.
depois o coloco de volta em seu lugar,
mas ele ainda canta um pouquinho
lá dentro, não deixo que morra
completamente
e nós dormimos juntos
assim
com nosso pacto secreto
e isto é bom o suficiente para
fazer um homem
chorar, mas eu não
choro, e
você?
Por anos julgando esse cara que eu não gosto, alguns dias me sento perguntando se essa pessoa não sou eu. Mais preocupada em trancar os sentimentos para longe e me entorpecer para continuar produzindo do que em chorar, deixar que alguma coisa, qualquer coisa cante em mim. É de se fazer pensar.